Asynchronicity

Sometimes synchronicity is not enough

Um pouco de lamb(a)da

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Hoje vi um post no blog da Caelum sobre o lambda-cálculo (ou cálculo lambda) e, aproveitando que estou ensinando programação funcional atualmente, achei interessante escrever algumas ideias com a intenção de complementar o que está lá.

O lambda cálculo é um formalismo lógico usado hoje em dia principalmente na teoria das linguagens de programação. Algumas aplicações do lambda cálculo nessa área incluem o projeto e análise de linguagens de programação e sistemas de tipos e a semântica das linguagens de programação. Curiosamente, alguns linguistas também utilizam o cálculo para estudar a semântica das linguagens naturais. Além disso, o cálculo também é usado em ramos da lógica pura e na teoria das funções recursivas (que pode ser considerada parte da teoria da computação). O cálculo é mais famoso pela grande influência que teve na definição do paradigma de programação funcional.

Originalmente, Alonzo Church criou o lambda-cálculo como uma ferramenta para estudar os fundamentos da matemática, coisa que estava na moda no começo do século XX. A ideia de Church era usar a noção de “processo” ou “transformação” (função) como essencial para fundamentar a matemática, ao invés da noção de conjunto de Cantor. O lambda cálculo não deu muito certo para isso na época, mas acabou sendo importante em outra questão do tempo: a busca pela definição formal do que vem a ser um procedimento efetivo. Em termos atuais, diríamos que essa busca tentava definir formalmente o que é “computação”.

(A ideia de usar o conceito de transformação como central na matemática retornou na segunda metade do século XX através da Teoria das Categorias, mas isso é outra história.)

Com relação ao cálculo em si, sua versão original (chamada hoje de lambda-cálculo não-tipado) é muito simples. Essencialmente o cálculo é formado por expressões-lambda e duas operações de transformação. As expressões-lambda são sequências de símbolos formadas em uma sintaxe específica, como expressões da lógica proposicional ou de uma linguagem de programação. As operações transformam uma ou mais expressões já existentes em uma nova expressão.

A sintaxe das expressões-lambda é determinada pelas duas operações: abstração e aplicação (sendo que a aplicação envolve uma operação de substituição chamada conversão-β). Uma expressão-lambda pode ser uma variável, uma abstração de uma expressão, ou uma aplicação de duas expressões:

  • Variáveis: x, y, z, um conjunto qualquer de nomes de variáveis. Aqui usaremos letras minúsculas perto do final do alfabeto.
  • Abstrações: dada uma expressão-lambda E, podemos formar uma abstração de E usando λ + variável + ‘.’ + E. Por exemplo: λx.x
  • Aplicações: dadas duas expressões-lambda E e F, a expressão da aplicação é formada pela justaposição de uma ao lado da outra: E F

A sintaxe é apenas isso. Formalmente, é preciso definir essa sintaxe mais cuidadosamente para garantir que uma expressão-lambda sempre pode ser analisada de maneira não-ambígua, mas para os propósitos deste post isso é suficiente. Alguns exemplos de expressões-lambda:

  • x  (Apenas uma variável)
  • λx.x
  • λx.y
  • (λx.x x)(λx.x x)
  • λm.λn.λa.λb. m (n b a) (n a b)

Agora vamos ao significado dessas coisas: a ideia é que abstração signifique a criação de uma função, e aplicação signfique o uso ou chamada dessa função em cima de um parâmetro. A conversão-β é a regra de substituição que diz como a aplicação deve funcionar:

  • Dada a aplicação (λx.E) F, o resultado é a expressão E, mas substituindo todas a ocorrências de x por F (o argumento da função).

Por exemplo: (λx.x) y tem como resultado a expressão y (E = x, F = y); (λx.x)(λx.y) tem como resultado (λx.y) (E = x, F = (λx.y)). E é só isso, substituição textual. No lambda-cálculo puro só podemos criar expressões como definido acima. Mas vamos incluir algumas definições adicionais como a função infixa de adição e números naturais como 2 e 3 e podemos ter expressões como (λx.x + 2) 3, que se for avaliada pela conversão-β tem como resultado 3 + 2, exatamente o que esperamos da aplicação de funções. (Indo mais longe no estudo do cálculo, vemos que é possível definir os próprios números naturais e a operação de adição no lambda-cálculo puro, mas não vamos passear por aí neste post; vide a entrada na wikipedia pra numerais de Church).

A definição do lambda-calculus vista acima não inclui funções de dois parâmetros, mas isso não é realmente necessário. Uma função de dois argumentos pode ser criada simplesmente fazendo duas abstrações em sequência: uma função usando a adição poderia ser definida como λx.λy.x+y. Para aplicar essa função também temos que usar duas aplicações: ((λx.λy.x+y) 3) 2 se transforma em (λy.3+y) 2, que se transforma em 3+2. Esse processo de considerar uma função de dois argumentos como uma sequência de duas funções é o tal currying muito usado em linguagens funcionais.

Após essa conversa toda, chegamos ao ponto em que dá para explicar em mais detalhes a definição de valores-verdade no cálculo puro. Podemos definir os valores true e false como:

  • true = λx.λy.x
  • false = λx.λy.y

A questão é: por que definir true e false dessa forma? A definição é, em boa medida, arbitrária. Outras definições para os valores-verdade são possíveis, mas essas acima são simples e funcionam. Para ver que funcionam, basta pensar em como definir uma expressão condicional (if-then-else) no cálculo. O requerimento básico é:

  • if E then F else G  deve ser igual a F se E tiver valor true, e G se E tiver valor false

Para implementar isso no cálculo, dadas as definições de true e false acima, basta usar aplicação diretamente. Dada uma expressão-lambda E com resultado igual a um valor-verdade,

  • if E then F else G = (E F) G

É fácil ver que isso funciona:

  • (true F) G = ((λx.λy.x) F) G = (λy.F) G = F
  • (false F) G = ((λx.λy.y) F) G = (λy.y) G = G

As outras definições (de pares, and, or, not, e mesmo as codificações de números e aritmética no cálculo puro) seguem esse padrão. As definições em si são arbitrárias, mas o importante é que elas funcionem em um contexto maior.

O cálculo tem outras coisas muito interessantes além disso. O cálculo não-tipado visto acima, que é basicamente um modelo de substituição, é muito usado para estudar sistemas de macros em linguagens da família Lisp, por exemplo. Uma outra dimensão interessante é ir para os cálculos tipados e ver como os sistemas de tipos das linguagens de programação podem ser formalizados (existe um livro inteiro sobre isso). Os combinadores da lógica combinatória de Haskell Curry, um sistema formal muito relacionado ao lambda-cálculo, também apresentam algumas ideias dignas de investigação, como programação point-free (ou tácita), a definição de bibliotecas de combinadores, e as técnicas para implementação de linguagens funcionais lazy.

E, se você estudar e entender tudo isso, talvez você consiga entender a linguagem Scala na sua totalidade 🙂 

Written by Andrei Formiga

April 18, 2011 at 9:00 pm

2 Responses

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  1. Excelente, uma explicacao bem mais didatica e passo a passo do que a minha. Eu deferia ter começado por ai, antes de sair jogando booleanos, listas e church numerals….

    Parabens Andrei!

    Paulo Silveira

    April 19, 2011 at 1:14 am

  2. […] que esqueci no post anterior foi dar algumas indicações para quem quiser ler mais sobre o lambda-cálculo. Há muito material […]


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